quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Por causa de Sophia

Eu tinha para aí uns nove ou dez anos e tinha um vício saudável. Ler!Já na altura gostava muito de livros. Sempre foram um fascínio para mim, os livros. Talvez pela possibilidade ilimitada de “fugir” para outro espaço. Nessa altura, por esse motivo e porque morava ali perto, frequentava uma livraria ali para os lados da Estação dos Correios, em Setubal, que tinha um Clube que tinha sido formado por iniciativa dos donos do dito estabelecimento. O Clube chamava-se “Culdex” (CULturaDivulgaçãoEXposição) e foi, para mim e para mais uns quantos um verdadeiro maná de conhecimento e ainda hoje estou agradecido a esse casal que, sem qualquer interesse material, teve a ideia de nos preporcionar aquele espaço onde tinhamos acesso a qualquer livro existente nas parteleiras da livraria. Tinhamos um cartão e tudo, como os clubes a sério.

Um dia fomos convidados para ir ao clube porque ia lá, ler-nos um livro e falar connosco, a Sophia de Mello Breyner Andresen. Numa excitação imensa ouvimos a leitura e ficámos à conversa com a escritora por um tempo que pareceu uma eternidade, tal foi o prazer. A senhora era um encanto. Simpatiquissima, conviveu connosco e até nos levou rebuçados para enquanto estavamos a ouvi-la. Nunca mais me esqueci desse dia pelo simples facto de que foi verdadeiramente inesquecivel.

Agora tenho 52 anos e gostaria de partilhar um episódio que se passou há dois anos, mais ou menos, relacionado com o que contei atrás.

Eu fui aos correios fazer já não me lembro bem o quê. Uma fila enorme, tirei uma senha e vim, em espera, para a rua, apanhar ar. Vi-me a olhar para a dita livraria, que agora se chama Culset, e é onde existia o tal clube. Quase por instinto dirigi-me ao estabelecimento e entrei. Comecei a mexer nos livros e, juro, o primeiro que me veio à mão foi um da Sophia de Mello Breyner Andresen que ali estava quase como que à minha espera. Fiquei a olhar o livro a relembrar aquele maravilhoso dia que ali passei. Uma senhora, chegou ao meu lado e perguntou-me: Posso ajudar? E eu: Não obrigado.Estava aqui a relembrar um episodio… Ela interrompeu-me e disse: Não me diga que era um daqueles meninos que aqui estiveram, sentados no chão de pernas cruzadas e a comer rebuçados, à conversa com a Sophia De Mello? E eu: O quê? Tambem cá esteve nesse dia? Sim! Respondeu ela.

E agora trabalha aqui? Que engraçado, disse eu. Pois é…esta livraria agora é minha, explicou-me ela. Na altura era dos meus pais. Prazer em conhecer. Prazer, disse eu.

Apareça mais vezes. Ok. Até à proxima.

Foi mais um dia em cheio para mim. E está bem entregue, a livraria. De certeza!

2 comentários:

Luís Contumélias disse...

Cul. O "Cul"ficou... Pois é amigo César.
Quem lê de vez em quando é presenteado com recordações!
Um Abraço

Joaquim Moedas Duarte disse...

História muito bonita!
E este espaço agradou-me!
Hei-de voltar.
Tanto mais que me parece ser de alguém que, vivendo em Setúbal, não se julga habitante de um soviete...

(Nada tenho contra os sovietes, entenda-se. Tenho é contra "os que julgam que vivem num soviete" e tratam os outros de "rachados", só porque deixaram de pensar como eles...)

Esses são gente ruim, que não merece o passado glorioso de um Partido que lutou sozinho contra o salazarismo.