Nós, os que o apreciamos, habituámo-nos a falar do Zeca, a ouvir falar do Zeca, a ouvir Zeca, a ler Zeca. De tal maneira que parece que todos o conhecíamos, que privámos com ele. Não raramente ouço alguém contar uma historia que passou com o Zeca Afonso e sabemos que, a serem verdade todas essas historias, o Zeca teria que ter estado em vários sítios ao mesmo tempo. Mas não faz mal. É bom sinal. Todos querem para si um pouco do que o Zeca tem. Sim, tem. Porque continua vivo e bem vivo. A sua musica continua genial, popular, erudita, clássica. E as suas palavras, infelizmente, cada vez mais actuais. “Os vampiros”, de 1963, podia ter sido escrito ontem. Quando escrevo isto, não posso deixar de pensar o que seria que o Zeca escreveria hoje? Matéria não lhe faltava. Que falta nos faz com a sua ironia, com o seu génio.
Quando eu soube que morreu, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: E agora? Nunca mais vou ter aquela emoção da espera do próximo trabalho do Zeca? Foi o começo de um vazio que dura até hoje.
A grande admiração que tenho pelo Zeca Afonso é, primeiro, pelo génio musical e poético da sua obra. Da sua personalidade, a melhor discrição, a que vai mais de encontro à ideia que tenho, disse-a uma vez o maestro Carlos Alberto Moniz que fez parte dos músicos que com ele gravaram “O coro dos tribunais”. Disse ele sobre Zeca Afonso, num programa de televisão, que “o que dizia de manhã, fazia à tarde”, em contraponto, é claro, ao provérbio “diz uma coisa de manhã e faz outra à tarde” que define quem fala muito bem e depois faz o contrario.
Pessoalmente, tive dois contactos com o Zeca. Um, ainda criança. Deveria ter dez ou onze anos. Como era viciado em livros, onde os havia sem pagar, aí estava eu. E por isso e porque era perto da minha casa, ia para o Circulo Cultural de Setúbal, na altura na Av.ª 5 de Outubro. Foi um contacto muito rápido. O Zeca estava lá a dar aulas a adultos e a quem mais precisasse e quisesse, porque, sei agora, tinha sido expulso do ensino do Estado (porque seria?) . Eu nesse dia estava a “fingir” que jogava xadrez com um amigo e ele deu-me uma dica para uma jogada, quando por ali ia a passar e ficou a olhar para nós um breve momento. Porque me lembro disto? Não sei!
O outro foi muito mais tarde. Pertencia eu à direcção do Coral Luísa Tody quando por convite da cidade de Pau, em França, fomos lá cantar. Todos os elementos do Coral ficaram hospedados na casa de outros elementos do Grupo Coral de Pau, como era habito fazer nessa altura. Eu fiquei na casa da agora minha amiga Mme. Acosse que era, na altura (1982), presidente da Associação Amizade França Portugal.
Em casa de Mme. Acosse, fiquei curioso por ver que da decoração faziam parte as mais variadas referencias a Portugal. Nalguns quadros colocados na parede, na loiça, etc.… até que dei com vários discos do Zeca, num cantinho junto à lareira. Fiquei logo não só disposto mas danadinho para a conversa. Contou-me que tinham ficado amigos desde um dia em que, a pedido de uns amigos, tinha recebido o Zeca lá em casa, no tempo do fascismo em Portugal, numa altura em que ele, em fuga da policia politica, tinha passado a fronteira clandestinamente e foi para lá levado por esses amigos comuns. Contou-me como estava todo molhado e gelado quando lá chegou e que se tinha estado a secar e a aquecer, junto daquela lareira enquanto bebeu um chá. Depois disse-me que tinha perdido o contacto dele e quando eu respondi que só sabia que na altura morava para Azeitão, começou logo a disser que eu tinha que lhe arranjar o contacto dele. Vim para Portugal com aquilo na cabeça.
A primeira oportunidade foi quando o Zeca foi cantar aos Claustros do Mosteiro de Jesus em Setúbal, ainda no mesmo ano de 1982.
Quando acabou, tentei chegar perto dele mas estava difícil. Aquilo tinha seguranças e não deixavam ninguém passar para o local onde se encontrava. Já estava a ver que não ia conseguir chegar à fala com o Zeca quando me apercebi que ele ia a passar mesmo ali perto, do outro lado dos estúpidos dos seguranças.
Não fui de modas e gritei: Zeca, tenho um recado da Mme. Acosse!
Ele parou, veio ter comigo e perguntou: A Mme. Acosse? de Pau? o que é?
Eu disse o que era e ele pediu um papel a alguém e tentou escrever a morada, mas não conseguiu. As mão tremiam e não deixavam escrever. Então deu-me a caneta e o papel e disse-me: Escreve aí tu. A maquina não está grande coisa. E ditou-me a sua morada. Ainda me perguntou: E ela como está? Eu disse: Está bem! Palmada no ombro e foi-se embora. Porreiro. Obrigado pá!
Foi só isto, mas para mim é inesquecível. A admiração que tenho pela sua obra (ele não gostava nada destas coisas, eu sei…) faz-me ter estes momentos em grande conta.
O que conheço da sua personalidade faz-me questionar, por vezes, se merecemos pessoas como o Zeca. Sinceramente, hoje com a idade que tenho e depois de ver o que já vi, acho que não. Outros houve como ele, que lutaram sem dar importância ao ter e haver, na procura da Liberdade e da Igualdade entre todos. Olhando à volta e à forma como se tem portado, a Humanidade, salvo o exagero, não merece pessoas assim. Mas é esse facto que torna a luta em utopia. E “a utopia pode, efectivamente, concretizar-se” como disse o Zeca no memorável concerto no Coliseu.
A melhor forma, senão a única, de o manter vivo é ir desfrutando da sua obra. E, sinceramente, isso só é um enorme prazer.
Quando eu soube que morreu, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: E agora? Nunca mais vou ter aquela emoção da espera do próximo trabalho do Zeca? Foi o começo de um vazio que dura até hoje.
A grande admiração que tenho pelo Zeca Afonso é, primeiro, pelo génio musical e poético da sua obra. Da sua personalidade, a melhor discrição, a que vai mais de encontro à ideia que tenho, disse-a uma vez o maestro Carlos Alberto Moniz que fez parte dos músicos que com ele gravaram “O coro dos tribunais”. Disse ele sobre Zeca Afonso, num programa de televisão, que “o que dizia de manhã, fazia à tarde”, em contraponto, é claro, ao provérbio “diz uma coisa de manhã e faz outra à tarde” que define quem fala muito bem e depois faz o contrario.
Pessoalmente, tive dois contactos com o Zeca. Um, ainda criança. Deveria ter dez ou onze anos. Como era viciado em livros, onde os havia sem pagar, aí estava eu. E por isso e porque era perto da minha casa, ia para o Circulo Cultural de Setúbal, na altura na Av.ª 5 de Outubro. Foi um contacto muito rápido. O Zeca estava lá a dar aulas a adultos e a quem mais precisasse e quisesse, porque, sei agora, tinha sido expulso do ensino do Estado (porque seria?) . Eu nesse dia estava a “fingir” que jogava xadrez com um amigo e ele deu-me uma dica para uma jogada, quando por ali ia a passar e ficou a olhar para nós um breve momento. Porque me lembro disto? Não sei!
O outro foi muito mais tarde. Pertencia eu à direcção do Coral Luísa Tody quando por convite da cidade de Pau, em França, fomos lá cantar. Todos os elementos do Coral ficaram hospedados na casa de outros elementos do Grupo Coral de Pau, como era habito fazer nessa altura. Eu fiquei na casa da agora minha amiga Mme. Acosse que era, na altura (1982), presidente da Associação Amizade França Portugal.
Em casa de Mme. Acosse, fiquei curioso por ver que da decoração faziam parte as mais variadas referencias a Portugal. Nalguns quadros colocados na parede, na loiça, etc.… até que dei com vários discos do Zeca, num cantinho junto à lareira. Fiquei logo não só disposto mas danadinho para a conversa. Contou-me que tinham ficado amigos desde um dia em que, a pedido de uns amigos, tinha recebido o Zeca lá em casa, no tempo do fascismo em Portugal, numa altura em que ele, em fuga da policia politica, tinha passado a fronteira clandestinamente e foi para lá levado por esses amigos comuns. Contou-me como estava todo molhado e gelado quando lá chegou e que se tinha estado a secar e a aquecer, junto daquela lareira enquanto bebeu um chá. Depois disse-me que tinha perdido o contacto dele e quando eu respondi que só sabia que na altura morava para Azeitão, começou logo a disser que eu tinha que lhe arranjar o contacto dele. Vim para Portugal com aquilo na cabeça.
A primeira oportunidade foi quando o Zeca foi cantar aos Claustros do Mosteiro de Jesus em Setúbal, ainda no mesmo ano de 1982.
Quando acabou, tentei chegar perto dele mas estava difícil. Aquilo tinha seguranças e não deixavam ninguém passar para o local onde se encontrava. Já estava a ver que não ia conseguir chegar à fala com o Zeca quando me apercebi que ele ia a passar mesmo ali perto, do outro lado dos estúpidos dos seguranças.
Não fui de modas e gritei: Zeca, tenho um recado da Mme. Acosse!
Ele parou, veio ter comigo e perguntou: A Mme. Acosse? de Pau? o que é?
Eu disse o que era e ele pediu um papel a alguém e tentou escrever a morada, mas não conseguiu. As mão tremiam e não deixavam escrever. Então deu-me a caneta e o papel e disse-me: Escreve aí tu. A maquina não está grande coisa. E ditou-me a sua morada. Ainda me perguntou: E ela como está? Eu disse: Está bem! Palmada no ombro e foi-se embora. Porreiro. Obrigado pá!
Foi só isto, mas para mim é inesquecível. A admiração que tenho pela sua obra (ele não gostava nada destas coisas, eu sei…) faz-me ter estes momentos em grande conta.
O que conheço da sua personalidade faz-me questionar, por vezes, se merecemos pessoas como o Zeca. Sinceramente, hoje com a idade que tenho e depois de ver o que já vi, acho que não. Outros houve como ele, que lutaram sem dar importância ao ter e haver, na procura da Liberdade e da Igualdade entre todos. Olhando à volta e à forma como se tem portado, a Humanidade, salvo o exagero, não merece pessoas assim. Mas é esse facto que torna a luta em utopia. E “a utopia pode, efectivamente, concretizar-se” como disse o Zeca no memorável concerto no Coliseu.
A melhor forma, senão a única, de o manter vivo é ir desfrutando da sua obra. E, sinceramente, isso só é um enorme prazer.
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